“Assinando meu nome verdadeiro, escrevi
diversos livros de que foram vendidos milhões de exemplares; estes livros foram
traduzidos para quase todas as línguas. Alguns de meus romances foram
transformados em filmes, viraram especiais de televisão ou – em forma de peças
– chegaram aos palcos da Broadway.”
Esta é parte da
apresentação de Christopher Palmer na orelha da edição brasileira de “Ela”, seu livro mais famoso, e ajuda a
compor o mistério em torno da obra. No entanto, fica difícil acreditar nesta
declaração quando se lê o texto de Palmer, ou fosse lá quem era o autor:
“Eu a encontrei na chuva, à noite, debaixo
de umas árvores. Foi naquele momento que a beijei pela primeira vez.
Caminhávamos juntos, protegidos por um guarda-chuva; a chuva nos cercava. Estávamos
de braços dados. Um carro passou pela rua molhada, deixando-nos a sós. Não era
tarde, mas a chuva prendera todas as pessoas sensatas em casa.”
Convenhamos que
não parece texto de um famoso escritor best
seller, mas antes o de um autor mais limitado, acostumado a escrever novelas
pornográficas rasteiras ou livros de banca de jornal. Na verdade, “Ela” é realmente isso: um livro raso,
bem distante das aspirações intelectuais pretendidas por seu autor, com
descrições cruas, mas que teve o mérito de ser o “professor” de várias gerações,
quando o assunto era o sexo. Principalmente no Brasil dos anos 70.
Apesar de a
história ser apenas a descrição, sem atenuantes, de uma sequência de transas
das mais variadas, “Ela” guarda um
ranço brega próprio da época em que foi produzido. Por exemplo, os
protagonistas não têm nomes, mas seus órgãos sexuais são chamados entre eles de
Irving e Matilda. A mulher tem problemas afetivos, o que poderia servir para
justificar seu comportamento sexual, deixando a obra também com um fundo
irritante de falso moralismo.
Tudo isso junto,
nos dias de hoje, soaria bem ridículo. Então, qual seria o mérito de “Ela”? E porque o livro vendeu tanto e
ficou tão famoso no mundo inteiro?
Em outros países
não sei dizer, mas no Brasil vivíamos uma ditadura militar que perseguia a tudo
e a todos. Cassandra Rios, famosa escritora pornográfica da época, se queixou
durante toda a vida desta perseguição. No entanto, “Ela” vendia como água em quase todas as livrarias do país e
circulava entre os estudantes até mais do que o “Manifesto Comunista”, de Marx e Engels e, pasmem, aparentemente
ignorado pela ditadura.
Publicado no
início dos anos 70 pela editora carioca Artenova, rapidamente chegou à cinco
edições e, embora esteja fora de catálogo há muito tempo, continua disputado
nos sebos e lojas de livros usados. A obra, portanto, se ressente do clima em
que foi gerada. Não traz quase nenhuma referência ao autor que não as notas das
orelhas e, apesar de trazer, também, uma nota do tradutor dizendo que iria
respeitar o anonimato do autor original, permanecendo ele mesmo também incógnito,
sabe-se que foi Germano Freitas quem traduziu e adaptou o livro.
Alguns
estudiosos, inclusive, afirmam que o livro seria do próprio Germano ou de
alguma escritora conhecida como a já citada Cassandra Rios ou Adelaide Carraro,
ou seja, seria uma obra brasileira feita sob encomenda da Artenova. Essa
história de que seria um livro estrangeiro de um escritor famoso sob pseudônimo
teria sido criada somente para burlar a ditadura militar brasileira.
Coincidentemente
ou não, mesmo com toda a tecnologia de busca de informações existente hoje em
dia, nada pode ser encontrado fora do Brasil sobre a obra de Christopher Palmer
– que ainda escreveu “Ele”, “Nós”,
“Yvonne”, “Elza”, “Pecado antes do café”, “A hora do amor”, “Amor sem limite”
e “Submissão” – , o que só aumenta o
mistério que envolve um livro pornográfico que desafiou os militares ao levar o
sexo sem pudor para a massa.
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