segunda-feira, 18 de maio de 2020

50 tons de antigamente...


Com o sucesso da transposição para o cinema do livro “50 tons de cinza” me lembrei da época em que, adolescente, líamos alguns livros que eram terminantemente proibidos por qualquer pai e mãe de família. Eram obras cruas, é verdade, mas me parece, bem mais interessantes do que esses falsos tratados de erotismo chique que povoam as livrarias de hoje.
Falo de autoras brasileiras como Cassandra Rios e Adelaide Carraro, por exemplo, que escandalizavam ainda mais por serem mulheres. Também de Christopher Palmer, pseudônimo de um escritor estrangeiro famoso – segundo a editora de seus livros – que escreveu obras recheadas de descrições explícitas e enredos ridículos, mas que vendia tudo que saía de sua não tão fértil cabeça.
Autora de mais de 40 títulos, Cassandra Rios – que na verdade se chamava Odete – foi perseguida pela ditadura militar a tal ponto que hoje é quase impossível se encontrar algum volume de sua extensa obra. Homossexual assumida e autora pornográfica, a vida desta paulistana de Perdizes não foi nada fácil. Começou a escrever ainda adolescente, mas no auge de sua carreira teve que criar dois pseudônimos masculinos para driblar a censura dos militares, que a perseguiam muito mais por sua homossexualidade do que pela natureza de seus escritos.
Dona de uma prosa fácil e sem metáforas, Cassandra incomodava a quase toda a sociedade, principalmente por descrever atos sexuais entre mulheres em detalhes numa época em que qualquer menção ao sexo era altamente patrulhada pela turma da “tradição, família e propriedade”.
Sem dúvida, pagou um alto preço por isso: o quase banimento da história da literatura brasileira, mesmo que títulos como “Eu sou uma lésbica”, “Carne em delírio”, “Tessa, a gata”, “A paranoica” (que virou um filme de sucesso com Nicole Puzzi, amiga de Cassandra na vida real) e muitos outros ainda sejam venerados e lembrados com saudade pelos mais velhos. Cassandra faleceu em 2002, mais de dez anos antes de ver sua vida transformada em documentário pela jornalista Hanna Korich.
A também paulistana Adelaide Carraro deixou uma obra tão extensa quanto a de Cassandra, computando cerca de dois milhões de livros vendidos. Sucessos estrondosos como “O estudante” e “Eu e o governador” ainda circulam por aí com uma enorme legião de fãs. Uma das editoras da autora diz que só “Eu e o governador” conseguiu a façanha quase insuperável de vender 20 mil exemplares em apenas três dias. A ditadura incomodou menos Adelaide, que ficava aborrecida mesmo com os acadêmicos e críticos literários que insistiam em classificar seu trabalho como subliteratura. Escreveu, inclusive, um livro com cartas de fãs de todas as classes sociais para provar que sua obra era admirada por todo mundo. “Escritora maldita?” não vendeu tanto quanto seus outros livros, mas é a prova de que ela também sofreu por não ser considerada uma escritora de verdade. Morreu de câncer em 1992 e assim como Cassandra, não teve em vida o devido reconhecimento. Nem como educadora sexual de várias gerações.
O Sr. Grey que me desculpe, mas acho que está mais do que na hora de as editoras republicarem o trabalho de Cassandra, Adelaide, Pauline Réage, Jacqueline Susann, Erica Jong, Xaviera Hollander e outras mulheres corajosas que ousaram desafiar a sociedade com sua visão particular de uma coisa que todo mundo acha que só diz respeito aos homens.

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