Com o sucesso da
transposição para o cinema do livro “50 tons de cinza” me lembrei da época em
que, adolescente, líamos alguns livros que eram terminantemente proibidos por
qualquer pai e mãe de família. Eram obras cruas, é verdade, mas me parece, bem
mais interessantes do que esses falsos tratados de erotismo chique que povoam
as livrarias de hoje.
Falo de autoras
brasileiras como Cassandra Rios e Adelaide Carraro, por exemplo, que
escandalizavam ainda mais por serem mulheres. Também de Christopher Palmer,
pseudônimo de um escritor estrangeiro famoso – segundo a editora de seus livros
– que escreveu obras recheadas de descrições explícitas e enredos ridículos,
mas que vendia tudo que saía de sua não tão fértil cabeça.
Autora de mais
de 40 títulos, Cassandra Rios – que na verdade se chamava Odete – foi
perseguida pela ditadura militar a tal ponto que hoje é quase impossível se encontrar
algum volume de sua extensa obra. Homossexual assumida e autora pornográfica, a
vida desta paulistana de Perdizes não foi nada fácil. Começou a escrever ainda
adolescente, mas no auge de sua carreira teve que criar dois pseudônimos
masculinos para driblar a censura dos militares, que a perseguiam muito mais
por sua homossexualidade do que pela natureza de seus escritos.
Dona de uma
prosa fácil e sem metáforas, Cassandra incomodava a quase toda a sociedade,
principalmente por descrever atos sexuais entre mulheres em detalhes numa época
em que qualquer menção ao sexo era altamente patrulhada pela turma da
“tradição, família e propriedade”.
Sem dúvida,
pagou um alto preço por isso: o quase banimento da história da literatura
brasileira, mesmo que títulos como “Eu sou uma lésbica”, “Carne em delírio”, “Tessa,
a gata”, “A paranoica” (que virou um filme de sucesso com Nicole Puzzi, amiga
de Cassandra na vida real) e muitos outros ainda sejam venerados e lembrados
com saudade pelos mais velhos. Cassandra faleceu em 2002, mais de dez anos
antes de ver sua vida transformada em documentário pela jornalista Hanna
Korich.
A também
paulistana Adelaide Carraro deixou uma obra tão extensa quanto a de Cassandra,
computando cerca de dois milhões de livros vendidos. Sucessos estrondosos como
“O estudante” e “Eu e o governador” ainda circulam por aí com uma enorme legião
de fãs. Uma das editoras da autora diz que só “Eu e o governador” conseguiu a
façanha quase insuperável de vender 20 mil exemplares em apenas três dias. A
ditadura incomodou menos Adelaide, que ficava aborrecida mesmo com os
acadêmicos e críticos literários que insistiam em classificar seu trabalho como
subliteratura. Escreveu, inclusive, um livro com cartas de fãs de todas as
classes sociais para provar que sua obra era admirada por todo mundo.
“Escritora maldita?” não vendeu tanto quanto seus outros livros, mas é a prova
de que ela também sofreu por não ser considerada uma escritora de verdade. Morreu
de câncer em 1992 e assim como Cassandra, não teve em vida o devido
reconhecimento. Nem como educadora sexual de várias gerações.
O Sr. Grey que
me desculpe, mas acho que está mais do que na hora de as editoras republicarem
o trabalho de Cassandra, Adelaide, Pauline Réage, Jacqueline Susann, Erica
Jong, Xaviera Hollander e outras mulheres corajosas que ousaram desafiar a
sociedade com sua visão particular de uma coisa que todo mundo acha que só diz
respeito aos homens.
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